
Neste ponto, aos 32 anos, já não sou um miúdo. Já não estou na categoria de jovem, de pós-adolescente. De vez em quando um condutor de Uber mais velho ainda me cumprimenta com “bom dia, jovem”, mas cada vez menos.
Onde está esse limite e quando é que o passei? Ainda agora, aos 28 anos, estava do lado de lá - e quatro anos depois já não estou. Serão os cabelos brancos que invadem a minha cabeça, subindo pelas têmporas? A filha de 3 anos que já começa a formar as primeiras memórias?
Aos 28 eu andava de saída em saída, de programa em programa, a tentar agarrar cada pedaço de experiência como se a vida fosse uma sucessão de verões intermináveis, e não a carregar o meu carro elétrico a caminho do Algarve, com a minha família no banco de trás. É essa a diferença, respondo a mim mesmo.

Neste ponto, aos 32 anos, já não sou um miúdo. Já não estou na categoria de jovem, de pós-adolescente. De vez em quando um condutor de Uber mais velho ainda me cumprimenta com “bom dia, jovem”, mas cada vez menos.
Onde está esse limite e quando é que o passei? Ainda agora, aos 28 anos, estava do lado de lá - e quatro anos depois já não estou. Serão os cabelos brancos que invadem a minha cabeça, subindo pelas têmporas? A filha de 3 anos que já começa a formar as primeiras memórias?
Aos 28 eu andava de saída em saída, de programa em programa, a tentar agarrar cada pedaço de experiência como se a vida fosse uma sucessão de verões intermináveis, e não a carregar o meu carro elétrico a caminho do Algarve, com a minha família no banco de trás. É essa a diferença, respondo a mim mesmo.

Esta semana:
1) marcar mais sessões de produção;
2) reservar mesa no melhor restaurante da cidade;
3) levar o carro a lavar;
4) tratar da pré-inscrição da criança na escola internacional;
5) marcar as férias na Grécia e no Algarve.
Olho para o lado: uma fila de dez carros elétricos, homens de pólos e calções, cartão da EDP Electric na mão, bebés a dormir nas cadeirinhas, carros cheios de malas, parceiras no banco do passageiro a mexer no telemóvel.
“Já tentou pela aplicação? O sistema de carregamento em Portugal ainda deixa muito a desejar, espere que aquele ali vague, acho que está a carregar bem.” Neste momento, há que admitir: eu sou um destes homens. Não consigo acreditar.
Vejo os últimos sete anos da minha vida a passar à frente: os amores de verão, os desgostos que tornavam tudo vívido, uma bissexualidade que começava finalmente a ser explorada, as noites de três dias sem remorsos, os fins de tarde no telhado do prédio em Arroios, as cervejas no parque, as unhas de gel, o carisma e o desprendimento induzidos pela dopamina e serotonina, o dedo-do-meio apontado às regras da sociedade patriarcal.
O trabalho tornou-se o meu tempo de lazer mais prazeroso. Já não vejo os amigos com quem não tenho relação profissional há meses. Notícias de diagnósticos de cancro começam a surgir aqui e ali. Não consigo sair de uma dormência perante o desmoronamento do mundo, que agora testemunho através de um ecrã LED de 32”.
As ruas sujas, vivas e estimulantes que outrora foram o meu alimento já não são o meu habitat natural.

No meu habitat actual do Noroeste de Cascais - ao qual me demorei um pouco a adaptar, carregando hábitos selvagens adquiridos ao longo de anos na selva de calçadas brancas, a verdade é que estou confortável. Um conforto tão grande que me traz uma satisfação que nunca tinha sentido mas que outras vezes me faz sentir dormente, a arrastar-me pela vida de refeição em refeição. O absurdo da existência tornou-se evidente, revelado pelo silêncio dos subúrbios forrados a relva, piscinas e letreiros de stands de carros de luxo.
Olho para os homens mais velhos num hotel: parecem-me orangotangos agarrados a sanduíches de atum e maionese. É-me muito claro que a vida vai passar mais rápido do que eu esperava. A frase “ainda falta tanto tempo para isso!” é agora uma memória de infância que revisito com espanto, como se fosse um filme.
Lembro-me de estar deitado no meu quarto na Graça a olhar para o tecto branco horas a fio, aconchegado no lençol de quem tem todo o tempo do mundo pela frente.

Sinto-me com medo e perdido num universo sem significado. O pensamento da morte está sempre presente, e acorda-me num solavanco quando estou prestes a adormecer. Ao mesmo tempo tiro prazer em pensar nestas coisas se tiver um cigarro e um copo na mão. Se não fosse este barulho e inquietação, seria só mais um pai com carro elétrico naquela fila a caminho do Algarve? Ou será que eles também pensam nestas mesmas coisas - e sou mesmo igual aos outros pais de Tesla? Bebo um gole de cerveja gelada e preparo-me para saltar para dentro da piscina. Mergulho, abro os olhos debaixo de água e vejo a superfície ondulante e espelhada, a luz a entrar, o mundo real separado por uma fina camada gelatinosa.
Experiencio a eternidade.
Um dia, mais tarde ou mais cedo, vou mergulhar nesse líquido informe e ficar nesse intervalo para sempre. Olhar o mundo como luz e matéria distorcida, por um momento eterno. Vai ser lindo, e depois vai-se desvanecer pouco a pouco.
Dou mais um gole na cerveja média fresca.